31 mai 2008

nossa, adeus, maio.
mas é que elas costumavam ser consideradas elegantes, antigamente; e se sentavam em mesas displicentemente, e espreguiçavam-se em camas e tudo o que elas faziam era tão contemplável e lento, tão nublado e monocromático; e haviam aqueles que se casavam com elas, pobres criaturas são instáveis e sensíveis, e eles dedicavam suas vidas a elas sem que elas percebessem e tinham tanto medo de que a menor brisa as levasse embora, tão flutuantes eram aqueles pensamentos de bolha de sabão e chá das cinco.
mas agora não é mais assim, muito pelo contrário. ninguém mais tenta pôr as mãos nos instáveis e sensíveis, muito, muitíssimo pelo contrário: agora eles nos sopram e dizem até a vista, e nos observam partir, e preferem as plantas rasteiras e as coisas simples, como pratos rasos, travesseiros e ventiladores de teto.

28 mai 2008

ah, não, de novo, não.
e eu espero que aquele menino sentado do meu lado, no metrô, tenha conseguido ouvir o tchaikovsky também; aumentei o volume ao máximo só para que ele pudesse escutar junto e ficar um pouquinho melhor, aqueles olhos tristes estavam me matando.

e agora natália pretende dar nomes a todos os talheres daquela casa, garfos e facas e colheres que cintilam todas as vezes que se abre a gaveta da cozinha, só para não se sentir tão sozinha. quando ela menos esperar, eles estarão todos dançando valsa sobre a pia, aposto um braço nisso.
mas ouvir tchaikovsky é tão lindo que me faz parar no meio da calçada só pra ver as folhas amarelas caindo das árvores, e fazer caminhos diferentes só pra escutar as vozes das ruas que ecoam nos muros -- e eles sorriem. se eu pudesse, traria uma poltrona para fora e ficaria completamente absorta na comtemplação de absolutamente nada em especial. e as pessoas diriam a seus vizinhos olha lá, veja lá aquela menina, sentada ali feito mundo fosse carrossel de estrelinhas e elefantes, e nada tivesse de ser feito; mas, ah, sim, o que não faltam são coisas a fazer, tantos livros e coisas a pensar, mas eu cheguei a uma conclusão tão bonita hoje que vou até me dar ao luxo de não me importar com nada disso.

27 mai 2008

era tão bonito quando era possível viver eternamente em uma gaiola. agora, não; mas é preciso se acostumar à gaiola, enclinar a cabeça para o lado, caminhar sempre com um pé diante do outro, em silêncio, comer uma pêra ou duas, ter as mãos sempres livres, observar tudo com petulante desinteresse, não pensar mais naquilo, viver um dia de cada vez.

mas me parece que ainda não estou pronta para amanhã, passei a tarde toda simplesmente existindo; suspirando de vez em quando; o móbile estático sobre a cama; aqueles anjos bobos espreguiçando-se em nuvens, que simplesmente passaram.

e natália sentada sobre a mesa, os olhos impacientes voltados para dentro, esperando por aquele imenso balão, que talvez virá, talvez não.

e eu sentada sobre a cama, os olhos impacientes voltados para fora, esperando por um motivo, um sinal dos mais simples, que talvez virá (mas não, acho que não).
mas ainda existem pessoas que fazem aniversário, ou não? isso deveria ser um bom motivo: uma ampla mesa enfeitada, um milhão de canapés e docinhos, um bolo que incha no forno pronto (como um mártir) para ter suas camadas perfuradas por uma chama que representa não um ano a mais, mas um ano a menos. por isso ela se apaga no final -- mas de modo indolor: não como uma tragédia, mas com um sopro.
não era capaz de encontrar ferida alguma, nem um pequeno hematoma, nem o menor arranhão -- e, no entanto, alguma coisa incomodava-lhe tanto que era como se tivesse perdido um braço da maneira mais leviana possível. mas isso certamente era algo que não se podia curar com um band-aid ou dois, polly pensou, olhando-se no espelho. a torneira ainda pingava e já era quase dez horas da manhã; que terrível quinta-feira. fazia sol demais. e, além disso, ainda não havia levado aquelas coisas ao correio, e ainda não havia nem pensado em comprar flores, e o relógio era um diabo alado a gritar-lhe números, e -- muita coisa, certamente, mas ainda não havia tido tudo. mas não era possível ter tudo, não é? mas também não era possível ter o bastante.
caminhou até a janela e, no telhado vizinho, pássaros chamavam-lhe pelo nome, para dançar.
polly não teria uma vida muito longa, isso era certo.
as gaivotas atiravam seus gritos ensolarados como riscos momentâneos no céu, que desapareciam lentamente pouco depois de saírem de seus alaranjados bicos, mas já não havia ninguém para ouvi-las.